O CTO realizou no início de fevereiro de 2023 temporada do espetáculo de Teatro-Fórum “Gêneres”, na sala Baden Powell, no Rio de Janeiro. Alana Komatsu, estudante de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), pesquisadora de Teatro das Oprimidas esteve na plateia e na cena como espect-atriz. Aos 23 anos, ela é natural de Adamantina, interior de São Paulo, cresceu na capital paulista, já morou no Rio e atualmente está baseada em Londrina, no Paraná. Em sua recente estada pela cidade maravilhosa, Alana visitou a sede do CTO, na Lapa, e conversou conosco sobre essa experiência transformadora. “Eu não acredito que existe um método que eu sempre busquei”, resume ela com entusiasmo em sua face.
CTO – Como foi assistir um espetáculo de Teatro-Fórum?
ALANA KOMATSU: Foi minha primeira experiência. Eu nunca tinha assistido, nunca tinha vivenciado nada parecido. Eu pesquiso isso [teatro das Oprimidas] e nunca tinha tido a oportunidade de estar no Teatro-Fórum ou que fosse qualquer outro tipo de espetáculo que utiliza as técnicas de Teatro do Oprimido, Teatro das Oprimidas. Foi uma experiência que eu ainda tô tentando absorver tudo isso porque eu não sei nem colocar em palavras é muito, é muito gratificante você ver que o Teatro das oprimidas funciona no quesito de transformação social, de revolução. O pessoal já dizia: Um ensaio de uma revolução. Tá presente na plateia me trouxe muitos questionamentos. Eu fui os dois dias e o primeiro dia eu escolhi me silenciar no sentido de ver a proposta, escutar as propostas, eu não queria já intervir de uma vez, não vim aqui pra resolver tudo! Não, eu parei escutei o que vocês tinham pra dizer em cena e era um momento muito de reflexão ali pra mim primeiro de entender o lugar onde eu estava, entender o que vocês estavam propondo, entender o que o público estava propondo também. Então, no primeiro dia eu tive essa experiência de calma (risos), preciso me acalmar. Eu não quero chegar aqui com os dois pés e tentar resolver. E não é porque eu estudo que eu tenho uma resposta. Acho que ninguém tem uma resposta para tudo. Inclusive, por coincidência, o meu grupo foi o único que não subiu ao palco (no primeiro dia). Eu estava muito nervosa, ansiosa, parecia que o meu coração ia sair pela boca. Eu falava calma, Alana, calma, você não vai solucionar tudo agora. Eu entendi que aquele não era o momento. Eu entendi que aquele era um momento de introspecção minha, abri meus ouvidos e escutar o que outros tinham para falar sem tentar impor nada e só escutar.
CTO – Como foi ser espct-atriz? Como foi intervir na cena?
AK: No segundo dia eu tive a oportunidade de intervir. É muito interessante porque eu sou atriz formada, to na faculdade, to concluindo meu último ano, tenho DRT (registro profissional de atriz). Só que u nunca quis subir ao palco como “estou sendo agora, como se eu já tivesse já planejado tudo o que eu fosse fazer”. Não. A gente conversou sobre o que iria fazer, de acordo com a cena. Nós iríamos intervir, mas eu queria realmente a experiência de uma espect-atriz que estava ali para assistir e não para premeditar. Porque eu não sabia como seria a reação do elenco. A gente também improvisa, é uma dupla improvisação que acontece. Porque ok, a gente escolhe a cena, a gente fala vamos intervir nisso, mas não existe um ensaio. A gente sobe no palco, entende um pouco a dinâmica e improvisa junto com o elenco, acontece uma dupla improvisação ali. Essa experiência é muito legal de tirar um pouco essa coisa de “eu sou atriz eu vou lá e eu sei o que faço”, não, ninguém sabe o que faz. E isso é a vida!
Essa é a grande questão porque vocês trazem para o palco situações que a gente vive no dia-a-dia. Entender que é uma dupla improvisação que acontece entre elenco e espect-atriz de não saber e qual o resultado? E aí a partir disso, você senta de volta na plateia e fala funcionou? Será que funcionou? Qual o reflexo no nosso dia-a-dia?
CTO – E funcionou? Qual o reflexo no dia-a-dia?
AK: Eu acho que de certa forma sim. Não acredito que as coisas funcionam cem por cento, mas eu acredito que a gente tem que comemorar todas as nossas pequenas vitórias. Digo pequenas porque a gente não muda o mundo inteiro do dia para noite. Quem dera a gente pudesse! Mas sim, eu acho que funcionou pela questão de que o coletivo que eu estava decidiu olhar para as oprimidas, acolher naquele momento. Infelizmente não foram todas que se juntaram, mas a gente tem que olhar para a vitória que a gente teve. Às vezes a gente ficar insistindo numa pessoa que não quer naquele momento não é o ideal. A gente precisa acolher quem está disposto naquele momento. E hoje eu tento levar para a minha rotina esses grupos que estão dispostos, sem ignorar quem não está disposto, porque a gente sempre tenta insistir, sem impor e tentar respeitar o momento e como a gente pode colaborar para não reproduzir o que o opressor faz.
CTO – O que você considera uma potencia no Teatro das Oprimidas e Teatro do Oprimido?
AK: É a transformação em si. Teatro das Oprimidas traz essa questão da transformação social nos dias de hoje e olha aonde a gente precisa lutar, quais são as opressões que nós estamos vivendo e quantas delas estamos vivendo? Essa é a grande potencialidade: olhar para o que precisa ser olhado e como que a gente vai transformar? E eu escolhi ser atriz porque eu acredito que o teatro é uma transformação social, eu escolhi ser atriz porque eu sou uma sonhadora eu acho que vou mudar o mundo. Então eu escolhi o Teatro das Oprimidas porque eu acho que dá um pouco desse gostinho de…eu vou mudar um pouquinho o mundo, mas é um pouquinho que a gente tem que comemorar essa vitória.
CTO – Como uma pessoa que escolheu como carreira o teatro convencional se interessa pelo Teatro das
Oprimidas?
AK: Essa é uma coisa que eu venho me perguntando e não sei se tenho uma resposta para isso. Minha primeira experiência com o palco foi na dança. Dancei muito minha vida inteira, danço até hoje. É um questionamento que eu venho fazendo…como que eu vindo de um teatro europeu, dentro de uma universidade que enfia Staninlavisk, Moliere, Sheakespere, Brecht – que me fez descobri o Augusto Boal – me encontro, me interesso pelo Teatro das Oprimidas? Aí eu vou responder que eu escolhi fazer teatro porque eu tenho esperança. Porque eu acho que eu ainda tenho a capacidade de transformar alguma coisa ou alguém, um grão de areia que seja. Mas se eu consegui fazer isso é o suficiente. Não é ainda o suficiente para a sociedade a gente tem muito que mudar. Mas o que cabe a mim enquanto eu, mulher branca, estudante de artes cênicas o que eu posso fazer dentro do meu lugar para transformar? Eu acho que o Teatro das Oprimidas ele te dá essa abertura. Ele te acolhe. Ele escuta o que você tem para dizer e diz vamos juntos. A gente tem muito para caminhar.
CTO- Você falou do Moliere, Nelson Rodrigues, Romeu e Julieta que é Shakeaspere, citou muito de Stanislavisk, o próprio Boal e Bertold Brecht…Homens dramaturgos. E onde entra a teatróloga, a dramaturga?
AK: Bárbara Santos?
CTO – E outras?
AK: Eu demorei muito para enxergar isso e ainda to nesse processo. Nunca me trouxeram mulheres que fazem teatro . Tanto que quando me deram essa lista (de dramaturgos) com mais de 50 pessoas que fizeram teatro, todos homens, todos homens brancos, em sua maioria europeu – para falar que não tinha mulher tinha uma, Pina Bausch, que é da dança e eu não queria – . E aí eu fui resgatar eu enquanto mulher. Minha orientadora sempre falava: “só tem homens nessa pesquisa? O que a gente faz? E aí foi pesquisando Augusto Boal eu falei: “eu preciso achar alguma mulher que fale sobre isso, que estude sobre isso, que faça isso”. E aí foi pesquisando o site do CTO, eu entrei no CTO sem conhecimento ainda do Teatro das Oprimidas, eu entrei lá na esperança de conseguir alguma coisa e tinha bem grande na parte principal do site as abas, na segunda ou terceira eu vi TETRO DAS OPRIMIDAS. Eu falei “Não acredito que realmente existe um método que eu sempre busquei e eu não tenho conhecimento!”.
E por que eu não tenho conhecimento? E porque que a universidade nunca falou sobre isso? Eu achei que ia revolucionar. Eu falei que eu vou criar um teatro que fale sobre o feminismo dentro do teatro do oprimido e descobri que ele já existia. Eu descobri o famoso nome que tem me questionando que é a Bárbara Santos. Essa mulher existe ela fez o babado acontecer! Então é triste ter vivido todos esses anos sem ter conhecimento prévio algum disso, ter sido rodeada por homens brancos europeus e agora, só agora, no fim da minha universidade, eu descobri a existência de Bárbara Santos. De outras mulheres que falam, pesquisam. Que bom que eu não morri sem saber delas!