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Gabriel Horsth

coord. de comunicação

Um olhar negro sobre a cenografia teatral brasileira

Cachalote Mattos assina premiados cenários que valorizam uma estética afrofuturista

Data

Com uma carreira de mais de 20 anos, o cenógrafo carioca Cachalote Mattos assina diversos espetáculos com temática antirracista, recentemente teve o trabalho reconhecido na 7ª edição do Prêmio Infantil de Teatro do CBTIJ – Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude, com a cenografia do espetáculo “Pequeno Herói Preto”. O artista também foi indicado por melhor cenário na 33ª edição do Prêmio Shell, com “Turmalina 18 – 50”. Doutorando do PPGARTES- Programa de Pós-Graduação em Artes da UERJ, o artista conta que nunca pensou em ser cenógrafo, tão pouco conhecia essa profissão na infância. Filho do eletricista Paulo César, ele começou a desenhar observando as plantas de circuito elétrico feitas pelo seu pai. Percebeu que tinha habilidades básicas com desenho após desenvolver capas de bate-bola. Se mudou para o Centro do Rio para morar com sua avó Ana de Paula Mattos e assim conseguir estudar publicidade na ETEC – Escola Técnica de Comunicação. Atualmente, é um dos principais nomes da cenografia do Rio e trabalha no desenvolvimento de uma estética teatral voltada para a valorização da cultura negra.

Cachalote relembra alguns desafios que encontrou no caminho. A peça “A Corrente de Eléia” da Cia Os Ciclomáticos, foi um dos trabalhos mais desafiantes para ele, já que a proposta era projetar um cenário para um espaço de Arena, mas que tivesse volume de cenário e não fosse apenas adereços. “Um aprisionamento mental que lembra uma casa dividida em quatro quadrantes, e um quinto espaço como a dimensão do sonho (…) A elasticidade do cenário permite que essas dimensões se juntem temporariamente “, lembra entusiasmado sobre o cenário criado em 2005. Ele define como o maior projeto da carreira as Olimpíadas do Rio, em 2016, devido à magnitude de um trabalho em que o mundo inteiro está de olho e existiam altas expectativas.

Para um artista negro, todos os desafios não chegam perto da vivência com o racismo estrutural que permeia a vida e o teatro. Cachalote conta que é necessário avançar muito, já que tem muitas produções que não colocam negros em cena, tão pouco na parte cenográfica. Com sua larga experiência, aponta que existe uma plena disputa imagética e de narrativas, e cita vários espetáculos com protagonismo negro que contribuiu como cenógrafo: “Suspeito” de Bárbara Santos, “Me Editar” de Cláudia Simone, “Meus Cabelos de Baobá” de Fernanda Dias, “O Pequeno Herói Preto” de Junior Dantas, “O Menino Omolú” de Cyntia Rachel, “Turmalina 18-50” de Vinícios Baião, “Os Rebouças” de Rodrigo França, “Kawó o Rei Chama” de Gabriel Mendes, “Manifesto Elekô” de Fábio Batista e Fernanda Dias. “Em comparação com toda produção teatral do Rio de Janeiro, ainda é pouco”, conclui o cenógrafo.

Turmalina

O início

Seu primeiro contato com a arte foi na encruzilhada com o mestre Camaleão da Capoeira Angola, ainda na adolescência, no IPCN – Instituto de Pesquisa da Cultura Negra. “Ali comecei a me atentar sobre as questões raciais”, afirma ele. Em 1997 o seu mestre começou a desenvolver rodas de capoeira no CTO – Centro de Teatro do Oprimido. Foi no casarão da Avenida Mem de Sá que Cachalote Mattos se encantou com o teatro e consequentemente a cenografia. No projeto do CTO “Mãos à Arte”, Cachalote foi um dos jovens capacitados nas áreas técnicas das artes cênicas (figurino, cenografia e iluminação).

“Escolhi a cenografia quando percebi que era muito parecido com designer, só que mais interessante porque tinha a liberdade de criação imagética de objetos, espaços, imagens sem o uso utilitário do dia a dia. Escolhi a cenografia e ela me escolheu!”

Cachalote Mattos sobre a cenografia

Inspiração e parcerias

Depois do curso no CTO, o cenógrafo ingressou na UFRJ – Escola de Belas Artes com objetivo de aprofundar os conhecimentos, mas ele garante que aprendeu muito da prática com os grupos populares e a Estética do Oprimido, sistematizada por Augusto Boal. Cachalote possui uma trajetória coletivizada, sabe valorizar os espaços institucionais de ensino, mas reconhece que o caminho se faz ao caminhar, agradecendo a sistematizadora do Teatro das Oprimidas, Bárbara Santos, que concedeu a ele a oportunidade de trabalhar com grupos africanos, em Berlin. O capoeirista atesta a revolução que é a arte da troca, dizendo ter aprendido muito sobre adereços com Luiz Vaz, a quem resume como um ótimo artista. Cita parcerias diversas de trabalho e inspirações como Zitto Bedat, Thomaz Santa Rosa, Flávio Império, José Dias, Lídia Kososvisc, Cláudia Alencar e Josef Svoboda. 

Meus Cabelos de Baobá Foto: Rafael Coelho

Preto no Preto

Cachalote Mattos possui uma pesquisa estética intitulada como “Preto no Preto”, onde aprofunda a luta de personagens negros na ocupação de espaços de poder dentro de nossa sociedade. A pesquisa se apresenta através de um conjunto de ações na área das Artes Visuais trabalhadas de forma integradas, tendo como base a Estética do Oprimido e o Teatro Jornal, que através de exercícios e jogos de imagens, palavra e som, ajudam a compreender a história desses personagens.

Preto no Preto pensa seu povo para além de uma construção imagética pejorativa ligada ao tempo da escravidão, revisitando o povo africano e seus herdeiros como civilizações, construtores da humanidade, de saberes, pioneiros na ciência e filosofia e do vasto universo civilizacional. Cachalote pensa o negro no presente e no futuro. Leva em conta o volume e a profundidade das transformações em curso no Brasil, que passam pela economia, cultura, educação, emprego e outras áreas. O cenógrafo pede aos leitores que imaginem o desafio contínuo que é atualizar as imagens que representam adequadamente a história.

“Para essa experiência imagética oferecemos uma investigação sobre a imagem de pessoas negras nesta sociedade e como provocação utilizamos somente materiais e objetos de cor preta, e pessoas pretas.”

Cachalote Mattos sobre a pesquisa Preto no Preto

Ele narra o processo prático da pesquisa e diz que no doutorado a investigação tem gerado reflexões interligadas ao fluxo estético do Teatro Negro para o Cinema Negro, e como essa disputa imagética se estabelece nos meios de comunicação na atualidade.

Próximos passos

A trajetória do cenógrafo é caracterizada pelo desejo de compartilhar o conhecimento, não à toa se tornou uma referência internacional no universo do Teatro do Oprimido e das Estéticas do Oprimido. Atualmente leciona na Martins Penna e abre o jogo sobre o futuro. 

“Sinto necessidade enquanto artista em pesquisar linguagem, ter um espaço para tempo de maturação de uma ideia, de um conceito, montar uma obra e ficar olhando para ela, testar coisas sem precisar desmontar de imediato, acho que a tendência é conseguir um espaço para avançar em pesquisa.” 

Cachalote Mattos sobre projetos futuros

Será que teremos em breve um galpão de artes do mestre Cachalote Mattos? Se depender da sua reputação de excelente cenógrafo, o sonho do artista se tornará realidade no palco da vida.

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