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Gabriel Horsth

coord. de comunicação

A máscara opressiva: transfake na arte

um convite às pessoas para uma reflexão no Dia Nacional da Visibilidade Trans

Data

No dia 29 de janeiro de 2004 um grupo de ativistas trans lançou, no Congresso Nacional, a Campanha “Travesti e Respeito” promovida pelo Programa Nacional de IST/AIDS. A partir dessa data, o dia 29 de janeiro é conhecido como o Dia Nacional da Visibilidade Trans e através de algumas reflexões escrevo esse texto e convido as pessoas leitoras para refletir comigo…

Primeiras Cenas: Contrapreparação

Deixo nítido que o assunto abordado aqui não se esgota nesse texto, pelo contrário, estimula à expansão de pensamentos e diálogos. O teatro faz parte de um gênero que conhecemos como Dramático e, nele, está imbuído a tragédia e a comédia. Precisamos pensar sobre isso.

Resumidamente existem concepções -herdadas pelo colonialismo e vinda de uma visão eurocêntrica- nos acompanhando até os dias de hoje e expandida a partir de modos discursivos e enunciativos sobre os gêneros pautados e divididos em Lírico, Épico e Dramático.

Durante muito tempo só era considerado uma grande obra literária, aquela que seguisse um desses três estilos. Em uma determinada época, essa tríade não dava mais conta das produções artísticas que estavam sendo criadas, ou seja, algumas obras estavam TRANSgredindo esse modelo fixado e, de alguma maneira, fundando uma nova forma: não seguir um modelo pré determinado! Ou seja, não é chegar e ler um texto a partir de uma teoria pronta, é ouvi-lo e a partir dele construir algo novo. Precisamos ler as obras a partir dos seus indícios para de alguma forma sair da normatização.

Toda essa contextualização para chegarmos num debate importante e pensarmos eticamente a arte e tudo que nela é possível para construirmos coletivamente novas perspectivas de mundo. Pode parecer repetitivo, mas precisamos lembrar cotidianamente a qual lógica de poder estamos inserides e sobretudo evidenciar quais assuntos estão totalmente ligados à estrutura.

A crise e o conflito

Você sabe o que é Trans Fake? Resumidamente: quando a pessoa que atua interpretando um(a) personagem transgênero, é cisgênera.

Todo ano, nessa época em que as redes sociais estão falando sobre Visibilidade Trans, penso em falar sobre afetos, besteiras, desejos, receitas de comida, planos para o futuro ou qualquer coisa que fuja de uma realidade dura e cruel que persiste em protagonizar essa pauta: visibilidade, representatividade, oportunidade, emprego, direito à vida, luta, resistência etc.

Recentemente foi divulgado pela ANTRA¹ o dossiê anual sobre assassinatos e violências contra travestis e transgêneros no Brasil e pelo 14° ano consecutivo, nosso país é o que mais assassinou pessoas trans. Os dados mostram que em 2022, 151 pessoas trans foram mortas, sendo 131 casos de assassinatos e 20 suicidadas pela sociedade. 76% dessas vítimas eram
negras, 85% entre as idades de 15 e 39 anos e, majoritariamente, esses crimes aconteceram em locais públicos.

Agora pensa comigo: quem se importa com as vidas trans quando as questões são autonomia financeira, saúde, educação, moradia, direito à cidade, alimentação, afetos, representações políticas etc.?

Recentemente foi realizada uma ação direta no Teatro Municipal São Luiz, durante a peça “Tudo sobre a minha mãe”. Na intervenção, Keyla Brasil² ocupou o espaço cênico e denunciou como muitos espaços podem contratar pessoas trans profissionais da área e optam por não fazer. Nesse caso, o ator André Patrício (homem cisgênero) interpretava uma pessoa trans. Abaixo, um trecho da voz de Keyla ecoando outras vozes que não são ouvidas:

“Se contrataram 4 mulheres e 3 homens, por que não contrataram 2 pessoas trans para fazer a personagem? Sabe porquê eu trabalho como prostituta? […] Porque nós não temos espaço para estar aqui nesse palco. Por que não contrataram 2 travestis? É por falta de dinheiro? Não! Todo mundo aqui pagou. […]”

Esse é o cenário do país. Para nós, nos dão Tragédia: censura, proibição, exclusão, marginalização, desumanização, expulsões, banimentos, abusos, agressões, linchamentos, mortes… As instituições não se preparam para nos receber de maneira digna em seus espaços. Direitos básicos são negados e na arte não é diferente. Usam a nossa narrativa como espetáculo e lucro, mas não são nossos corpos ali na tela ou no palco protagonizando as inúmeras histórias de vidas que podemos contar. Para nós, não dão Comédia: risos, chacotas, apontamentos, xingamentos, ridicularização, constrangimentos…

Fracassamos?

Estamos nos posicionando a cada dia. A arte é também um espaço de troca e por isso, lutaremos para que acabem os experimentos cênicos e acadêmicos em relação aos nossos corpos e às nossas narrativas.

Num regime de organização social capitalista onde há cada vez maior número de desigualdades, desenvolver coletivamente as lutas é se envolver na prática com as ações de lutas! Essa responsabilidade é também da cisgeneridade. A prática de colocar pessoas cisgêneras interpretando pessoas transgêneras em novelas, filmes, peças etc. só reforça estereótipos, transfobia e falta de oportunidade para que pessoas trans ocupem esse lugar, sejam contratadas e valorizadas pelos seus trabalhos, sua intelectualidade e seu profissionalismo.

ANTRA¹: Associação Nacional de Travestis e Transsexuais
Keyla Brasil²: Travesti, atriz e performer

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