Picture of Gabriel Horsth

Gabriel Horsth

coord. de comunicação

Teatro Jornal: entenda como a técnica pode ser usada atrelada às mídias sociais

A técnica que deu origem ao Teatro do Oprimido de Boal é ainda mais necessária em um contexto de disseminação extrapolada de Fake News

Data

Nos anos sombrios da Ditadura Militar no Brasil, quando a liberdade de expressão era asfixiada e a censura era uma ordem estrutural, Augusto Boal sistematizou, com o Teatro de Arena de São Paulo, a técnica teatral poderosa para a luta contra a opressão – o Teatro Jornal. Esta técnica, que Boal aprendeu durante sua estadia nos Estados Unidos na década de 1950, emergiu como uma forma eficaz de expressar a resistência, informar e promover questões políticas em um período em que a voz do povo era calada, os artistas perseguidos e os meios de comunicação manipulados pelas mãos da política nacional, que era violenta e terrorista. Nesta reportagem, vamos explorar a história e o impacto do Teatro Jornal como uma alternativa poderosa em um contexto que imita o passado, já que as fake news sempre existiram e foram capazes de sustentar boa parte do período sombrio da ditadura militar brasileira. Para compreender o Teatro Jornal na prática, suas adaptações, mudanças e evoluções, inscreva-se no curso de Introdução ao Teatro Jornal e Mídias Sociais que acontece de 02 a 04 de outubro, na sede do Centro de Teatro do Oprimido.

Ascendência

Augusto Boal adquiriu sua formação em dramaturgia na School of Dramatic Arts da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Lá, ele teve a oportunidade de assistir às montagens do Actors Studio e conviver com figuras proeminentes da esfera cultural da Frente Popular estadunidense. Essa experiência enriquecedora, aliada a dinâmica de métodos de interpretação baseados em Stanislavski e técnicas de sistematização coletiva da atividade teatral, deu origem ao Teatro Jornal.

O Teatro Jornal como AgitProp

O Teatro Jornal recebe influência do teatro conhecido como propaganda. A técnica sistematizada por Boal encapsula o espírito do AgitProp (agitação e propaganda), combinando simultaneamente a ação de informar e questionar através de propagandas que divulgam idéias políticas. Como Iná Camargo Costa define, “Tudo o que significa o agitprop está conformado no Teatro-Jornal.” O AgitProp foi uma ferramenta poderosa de informação e promoção de debates políticos, aproveitando o poder do teatro para conscientizar e mobilizar temáticas urgentes. O Teatro Jornal nasce do AgitProp, como uma intervenção teatral com o objetivo de questionar a política e informar o público através da investigação de textos jornalísticos.

Teatro Jornal: um contraponto à Ditadura Militar

Com a repressão política durante a Ditadura Militar, os espetáculos do Teatro de Arena, no qual Boal era diretor, eram frequentemente censurados ou impossibilitados de serem apresentados. Foi então que Boal teve a ideia de trabalhar com o Living Newspaper (Jornal Vivo), uma técnica que ele havia aprendido nos Estados Unidos na década de 50. Contudo, o momento político no Brasil necessitava de uma ação teatral diferenciada. As formas tradicionais de fazer teatro não eram suficientes para enfrentar a realidade da censura e da repressão. Embora Boal tenha apresentado a ideia ao grupo do Arena anos antes, levou um tempo até que a proposta fosse aceita pelo Núcleo 2 do Arena. Com o grupo formado por Celso Frateschi, Dulce Muniz, Hélio Muniz, Elísio Brandão, Denise Falótico e Edson Santana, o Teatro Jornal se tornou realidade, como revela a curinga Helen Sarapeck no artigo “Teatro-Jornal: uma reflexão sobre a primeira técnica do método”.

Impactos e desdobramentos

O Teatro Jornal não apenas permitia uma rápida montagem das peças, mas também garantia que a censura não impedisse as apresentações, já que os textos eram baseados em notícias de jornais públicos. Além disso, o Teatro Jornal serviu como uma ferramenta de transformação, permitindo que qualquer notícia de jornal fosse transformada em cena de teatro. Os grupos interessados ​​foram convidados a assistir às experimentações das técnicas e, muitas vezes, formaram seus próprios grupos de Teatro Jornal após as apresentações. Alimentando uma cadeia expressiva de grupos de teatro político da época.

O Teatro Jornal de Augusto Boal foi uma resposta criativa e estratégica à repressão da Ditadura Militar no Brasil. A técnica de múltiplas raízes se adaptou à realidade brasileira, tornou-se uma voz poderosa de resistência, informação e atualização política. O legado do Teatro Jornal de Boal continua a inspirar artistas e ativistas, lembrando-nos do poder do teatro como uma ferramenta para a mudança social em tempos sombrios.

As fake news e a era das redes sociais

Atualmente, o uso massivo das redes sociais é profundamente pensado na maneira como nos comunicamos e consumimos informações. Embora tenha vantagens como a conexão global instantânea e a democratização da expressão, também gerou um problema crescente na história recente da humanidade: as notícias falsas. A relação entre o uso desenfreado das redes sociais e a propagação de notícias falsas é cada vez mais evidente e tem sérias consequências para a vida cotidiana e a política do nosso país. Mas vale relembrar que o Brasil, assim como diversas repúblicas que foram invadidas pelo ocidente, sempre baseou sua organização política através de notícias falsas, não sendo uma novidade, mas mera adaptação ao avanço das tecnologias vigentes.

Como exemplo recente, vemos a ascensão da agenda da extrema direita ao redor do mundo, massificando seus ideais que beiram a era medieval e, no fundo, revelam uma ganância perigosa por poder, concentração de renda e acúmulo de riquezas, além de um conservadorismo hipócrita e canalha que define os lugares de subjugação e servidão à grupos sociais desprivilegiados historicamente. A defesa de valores tradicionais da cisheteronormatividade precisam ser debatidas com a mesma intensidade que foi problematizado o discurso do ministro da Fazenda da era militar, Delfim Neto, que defendia a ideia de “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”. A frase estava ligada ao chamado “milagre econômico” da época, onde a economia se expandiu de modo acelerado e sem precedentes na história do país, mas o crescimento econômico proporcionou o aumento do poder aquisitivo apenas dos empresários e da classe média, restando as migalhas do bolo ao povo pobre.

Não muito diferente da ditadura militar, atualmente as redes sociais se tornaram a principal fonte de notícias falsas para muitos indivíduos, superando as mídias tradicionais. O jornal tem se tornado cada vez mais digital e o papel dispensável. No entanto, a velocidade e a facilidade com que as informações são compartilhadas nas redes sociais desenvolvem um ambiente propício para a disseminação de mentiras. Muitas vezes, a veracidade de uma informação é secundária à sua capacidade de gerar engajamento e emoção, o que leva à divulgação de conteúdo sensacionalistas. 

A propagação de notícias falsas contribui para a polarização da sociedade. As pessoas tendem a se agrupar em bolhas informativas, onde são expostas apenas visões que confirmam suas opiniões preexistentes, aprofundando divisões sociais. Durante crises de saúde, como a pandemia de COVID-19, a disseminação de informações falsas nas redes sociais resultaram na recusa massiva de vacinas e o uso de tratamentos ineficazes. Além do constante fluxo de notícias falsas causarem um aumento da ansiedade e estresse, prejudicando o bem-estar mental das pessoas. 

Foi no contexto histórico em que o Facebook e outras redes sociais começaram a ganhar popularidade no Brasil, que os experientes curingas da instituição, Claudia Simone e Alessandro Conceição, retomaram os laboratórios de Teatro Jornal em 2010. Desde então, têm ocorrido avanços significativos na práxis da técnica, incluindo a criação da 13ª, conhecida provisoriamente como “contranarrativa”, que está sendo sistematicamente investigada.

Dentro desse panorama, a equipe do Centro de Teatro do Oprimido vem utilizando, atualmente, o Teatro Jornal associado às mídias sociais, como textos, postagens, memes, notícias falsas e até mesmo trechos bíblicos. Essas adaptações recentes motivaram a mudança de nome do curso da técnica para “Teatro Jornal e Mídias Sociais”.

Além das técnicas digitais, também estamos explorando a estética do reaproveitamento de sucatas eletrônicas. Transformamos esses resíduos em cenários para nossas peças e performances, utilizando dispositivos eletrônicos obsoletos, quebrados ou estragados. Dessa forma, conseguimos denunciar a barbárie por trás da produção do lixo eletrônico, evidenciando a irresponsabilidade na sua disposição e a falta de respeito às diretrizes de proteção ambiental. Ao abordar as opressões existentes na realidade virtual, também questionamos os estereótipos e as opressões presentes no cotidiano.

Em suma, nosso trabalho no campo do Teatro Jornal e Mídias Sociais busca aproveitar o momento histórico atual para denunciar e desconstruir as estruturas de opressão, tanto no mundo online quanto offline, através do uso inteligente das tecnologias disponíveis e da conscientização sobre o impacto ambiental do lixo eletrônico.

outras
notícias