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Gabriel Horsth

coord. de comunicação

Teatro Invisível: dramaturgia do dia-a-dia para tornar visível o que é urgente

A invisibilidade que permeia nosso cotidiano quando temas sensíveis ficam fora de vista

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Em um mundo saturado de estímulos visuais, é fácil perder de vista que a invisibilidade não se restringe apenas ao que nossos olhos percebem. Com que frequência optamos por ignorar as opressões que permeiam nosso cotidiano? Com que frequência repetimos o ditado de que em questões conjugais, é melhor não interferir? Recentemente, testemunhamos o incidente envolvendo o ator Victor Meyniel, que foi agredido pelo criminoso Yuri de Moura, enquanto o porteiro do edifício observava passivamente, sem tomar nenhuma ação, e, ao final, ainda moveu o corpo do ator para fora do alcance da entrada do prédio. Não houve nenhum esforço para prestar ajuda. Parecia como se nada tivesse acontecido aos olhos do porteiro. Com que frequência não agimos de forma semelhante a esse porteiro? Na internet, a cada discussão acalorada que surge, nos deparamos com o icônico meme de Michael Jackson saboreando pipoca, simbolizando uma sociedade que, de alguma forma, se deleita com a violência como se estivesse assistindo a um filme no cinema.

No Teatro Invisível, uma opressão do nosso cotidiano assume um papel central na criação de uma cena. Essa cena é então abordada como um fenômeno social a ser explorado e representado como tal, sendo apresentada em um ambiente público sem qualquer identificação como um evento teatral predefinido. Dessa maneira, os espectadores se tornam participantes autênticos, respondendo e expressando suas opiniões de forma espontânea à discussão desencadeada pela performance. Esta abordagem cênica oferece uma oportunidade excepcional para aqueles que desejam explorar a técnica característica do Teatro do Oprimido, abordando questões contemporâneas de grande relevância e urgência, ao mesmo tempo que proporciona a possibilidade de efetuar uma transformação na nossa realidade por meio de ações concretas. O curso de Teatro Invisível está programado para ocorrer de 05 a 07 de outubro, na sede do Centro de Teatro do Oprimido, situado no boêmio bairro da Lapa, centro do Rio de Janeiro, RJ.

A técnica

Nesta técnica, adentramos a intrigante noção de invisibilidade, que se estende para além do reino físico, abordando questões delicadas que muitas vezes são relegadas às sombras da sociedade. Quando falamos em invisibilidade, nossa mente pode automaticamente evocar a imagem de objetos ou seres que não podem ser identificados a olho nu. Essa concepção pode ser aplicada a elementos diminutos, como átomos, ou até mesmo a ocupações essenciais, como a dos garis. A invisibilidade à qual os garis foram historicamente submetidos, assim como as trabalhadoras domésticas, é assustador, como demonstrado de forma impactante pelo Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil, composto por mulheres envolvidas na luta sindical. Na peça “Brasil, um país de servidão”, o grupo traz à tona a problemática histórica da exploração de mulheres negras no serviço doméstico, expondo como algumas pessoas podem ser ignoradas ou negligenciadas, apesar de desempenharem papéis cruciais em nossa sociedade.

No entanto, a invisibilidade vai além da simples ausência de visão. Ela também abarca a tendência de evitarmos encarar temas desconfortáveis, como a violência doméstica, as desigualdades de gênero, o racismo, o abuso de poder e a perseguição às pessoas LGBTQIAPN+. Estes são problemas complexos que muitas vezes são ignorados ou subestimados, criando uma invisibilidade social que perpetua a injustiça.

Enfrentar a invisibilidade requer a quebra do ciclo de silêncio que envolve as opressões. Isso começa com a promoção de um diálogo aberto e inclusivo, onde as vozes das vítimas são não apenas ouvidas, mas também validadas. Ao mesmo tempo, é fundamental considerar o contraste com os opressores, que muitas vezes relutam em abrir mão do seu exercício de poder. 

Teatro Invisível nas eleições de 2018

Me recordo das experiências que tivemos com essa abordagem nas eleições de 2018. Realizamos um laboratório de Teatro Invisível com toda a equipe do CTO e saímos às ruas para tencionar e entender o como a sociedade se posicionava em relação ao personagem e candidato que se colocava como herói da nação. Nesse contexto, enfrentamos situações difíceis, sendo hostilizados por muitas pessoas. No entanto, essas experiências nos proporcionaram insights importantes, especialmente em relação ao discurso religioso que permeava os bastidores. 

Em uma das experiências, uma senhora pedia com calma a um dos atores, como se já soubesse o que estava prestes a acontecer: o herói da pátria vencerá. Ela manteve a serenidade em meio ao ambiente do supermercado repleto de tensões ideológicas, onde os muros entre apoiadores do PT e apoiadores de Bolsonaro eram irremovíveis. Em meio ao caos, surgiam oportunidades ínfimas de transformação, mas, de maneira mais profunda, percebemos que a narrativa da extrema direita religiosamente conservadora dominava o senso comum de forma estrutural, precisamos recuar e repensar as estratégias.

O teatro é uma ferramenta poderosa na luta contra a invisibilidade. Ao educar a sociedade sobre esses problemas e desafiar estereótipos dados, podemos trazer à tona esses tópicos e trabalhar para possíveis alternativas. A invisibilidade não deve ser uma barreira para a justiça e a igualdade. Ao reconhecer e enfrentar temas difíceis e cruciais para nossa existência plena, podemos transformar a invisibilidade em visibilidade e trabalhar para criar outro mundo, como sempre desejou Boal.

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