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Gabriel Horsth

coord. de comunicação

Relembre a entrevista de Taís Araújo para o CTO durante as gravações de ‘Cheias de Charme’

A novela ganhou uma reprise recentemente na Globo e o tema voltou aos holofotes, mas o Brasil ainda enfrenta desafios quanto os direitos trabalhistas

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O Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil foi uma voz potente, tecida pelas mãos e vozes de trabalhadoras domésticas que transformam suas experiências em arte e luta. Desde 1998, essas mulheres, mães, tias, avós, filhas – todas com o nome Maria – desafiaram estereótipos e enfrentaram desafios, não apenas nos palcos, mas também nas esferas da vida cotidiana.

Com o lançamento da novela Cheias de Charme em 2012, ocorreu um encontro marcante, o Grupo Marias do Brasil recebeu a atriz Taís Araújo em sua sede, no Centro de Teatro do Oprimido (CTO). Taís, que interpreta uma trabalhadora doméstica na novela da TV Globo, passou um dia inteiro entrevistando as Marias do Brasil para o programa jornalístico “Fantástico”. A entrevista, que foi para o quadro “Repórter por Um Dia”, trouxe questões cruciais sobre arte, preconceito racial e direitos trabalhistas. Infelizmente o arquivo da íntegra não está disponível na internet.

Durante sua visita, Taís Araújo expressou admiração pelo trabalho do Grupo Marias do Brasil e lamentou a falta de patrocínio que elas enfrentavam na época. Caso bem semelhante com o atual momento dos grupos teatrais ligados ao CTO. Em uma conversa franca, a atriz também compartilhou suas reflexões sobre o papel das empregadas domésticas no Brasil e sua própria jornada como mulher negra no meio artístico.

Além disso, a atriz do grupo, Maria Izabel Lourenço, que conciliava o trabalho de doméstica com sua atuação com as Marias do Brasil, concedeu uma entrevista exclusiva por telefone da casa dos patrões. Em um relato sincero, Maria Izabel compartilhou seus sonhos e esperanças, destacando a importância de garantir todos os direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas. Atualmente, Maria Izabel concluiu, como atriz e curinga (diretora), o trabalho de mais de 20 anos do grupo teatral, e segue sendo uma voz na luta por direitos como Presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Município do Rio de Janeiro.

Durante a entrevista, alguns questionamentos cruciais emergiram, revelando a complexidade das questões que permeiam o trabalho doméstico e a representação na mídia. Taís Araújo refletiu sobre a persistência do preconceito racial e discutiu sobre a transformação de sua personagem na novela, Maria da Penha, que, mesmo buscando uma carreira na música, permanece ligada à sua identidade como trabalhadora doméstica. Assim como Maria Izabel, que mesmo atuando como atriz na época, seguia com o trabalho doméstico. 

Ao final da entrevista, Taís expressou seu interesse em conhecer mais sobre o Teatro do Oprimido, elogiando a capacidade da metodologia de dar voz às pessoas oprimidas e iluminar questões sociais urgentes.

Esse encontro entre a arte, a vida real e a representação midiática ressaltou a importância do trabalho político do Grupo Marias do Brasil para a expressão e a luta das trabalhadoras domésticas no Brasil, enquanto também destaca o papel vital da arte na conscientização e transformação social.

Confira na íntegra a entrevista com Taís Araújo:

CTO – Centro de Teatro do Oprimido:
No Brasil, o trabalho das empregadas domésticas está relacionado à função que as mucamas (escravas domésticas) desempenhavam. Alguns estudos indicam que as injustiças sofridas pelas trabalhadoras desse setor se devem a isso. No seu trabalho de atriz, você interpretou uma mucama, a escrava Xica da Silva – a qual foi protagonista da novela homônima – e agora vai realizar o papel de uma trabalhadora doméstica – também como uma das três protagonistas da trama. Como percebe essa relação entre a função realizada pelas trabalhadoras domésticas com o antigo trabalho das mucamas? Acha que é ainda um trabalho escravo?

Taís Araújo:
Primeiro que tem uma grande diferença. Pois as trabalhadoras domésticas recebem salário. Com relação ao trabalho escravo, isso depende muito da casa onde a pessoa vai trabalhar, depende dos patrões. Sei que há muitos casos em que as empregadas recebem apenas casa e comida, principalmente no interior. Nos centros urbanos eu acredito que essa relação já está bem melhor. Eu posso falar da minha relação com essas profissionais: lá em casa a relação com a babá e com a outra pessoa que trabalha lá é a melhor possível. São ótimas pessoas e ótimas profissionais.

CTO:
Em entrevista à revista TPM (edição dezembro de 2011) você declarou que quando estudou num determinado Colégio Particular, algumas pessoas perguntavam se a patroa da sua mãe era quem pagava a mensalidade. O que acha desse tipo de pergunta? Necessariamente estava implícito que sua mãe era uma empregada doméstica por você ser uma aluna negra?

T.A:
A Gente vive num país muito preconceituoso, né! Teve um episódio engraçado dias desses no condomínio onde minha mãe mora. Ela foi fazer faxina na casa dela e colocou umas roupas mais simples, roupas de fazer faxina. Então estava ela com balde na mão, escova… aí alguém tocou a campainha, olhou para ela e falou “a patroa estar?”. Minha mãe virou e disse: “A patroa sou eu, pois não.”

CTO:
Voltando a falar sobre a novela, você fará uma trabalhadora doméstica que se transformará numa artista da música. Já sabe como será a reviravolta da personagem. Ela abandonará a carreira de trabalhadora doméstica?

T.A:
A Penha (Maria da Penha) minha personagem é muito guerreira. Ela não vai abandonar a carreira de empregada doméstica não. Ela gosta do que faz, gosta do trabalho dela. Ela vai tirar uma onda com esse lance de cantora. Não para ficar famosa. Ela vai aproveitar para comprar a casa dela, a casa que ela tanto sonha, mas não vai abandonar a carreira de doméstica não. Ela vai aproveitar e tirar uma onda.

CTO:
O que achou do Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil? Trabalhadoras domésticas que se tornaram atrizes e alinham as duas funções em prol da luta da classe das domésticas?

T.A:
Primeiro eu fiquei morrendo de pena ao saber que o Grupo está sem patrocínio. São mulheres tão fortes, mulheres com uma riqueza tão grande. Elas têm uma alegria imensa e transformam tudo isso em arte. Isso é fantástico. É preciso fazer algo para ajudá-las.

CTO:
Ainda sobre a novela, inicialmente a trama teria o título de Três Marias e depois Marias do Lar. Acha que a mudança para Cheias de Charme dará mais foco na atividade artística das três Marias e não no trabalho doméstico?

T.A:
Não, não é por isso. Primeiro eu vou contar uma história engraçada. A gente foi gravar uma cena na comunidade. Aí, chegou uma figurante toda bem vestida, toda maquiada, toda , toda. O pessoal da direção falou “minha filha, nós vamos gravar numa comunidade. Como você vem vestida assim?”. E a moça respondeu: “Eu sinto muito, mas é que eu sou cheia de charme”. A direção voltou para ela e disse “as pessoas que moram aqui também estão cheias de charme. O charme delas é da forma que elas se vestem”. Então a novela vai falar disso: mulheres brasileiras que são cheias de charme e que a sociedade precisa olhar mais para elas. É isso que a novela vai mostrar.

CTO:
Já conhecia o Teatro do Oprimido? O que achou da metodologia teatral desenvolvida por Augusto Boal em que oprimidos, oprimidas, negros, brancos, homossexuais, trabalhadoras domésticas, etc., podem falar de suas questões entrando em cena?

T.A:
Já conhecia sim e acho a coisa mais linda que o Boal fez. Ele deixou uma coisa maravilhosa para a gente. O legal do Teatro do Oprimido é dar voz às pessoas, jogar luz sobre as pessoas. Como faço para conhecer mais? Como é a formação?

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