O Rio de Janeiro, infelizmente, tem ganhado notoriedade pública nacional e internacional pela ação inescrupulosa de criminosos audaciosos, que colocam os mais diferentes conhecimentos, tecnologias e crenças a serviço do crime organizado. Além da violência explícita que dissemina o medo e permite o domínio territorial, o acesso ilegal a dados pessoais e bancários, a manipulação de informações e a propagação de mentiras permitem a realização de uma série de golpes contra a cidadania. A articulação entre criminosos e agentes públicos, como ficou explícito no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, garante a impunidade, dificulta a investigação, desafia a justiça e agora também ameaça a democracia.
Desde 2016, nos períodos de campanha eleitoral, aplica-se um golpe sórdido contra a democracia no interior do Rio Janeiro: uma equipe criminosa difunde mentiras contra candidatos e candidatas por meio da encenação de situações falsas em pontos de ônibus e locais de aglomeração com o objetivo de manipular os resultados eleitorais. Os grupos chegam aos locais e, de forma despretensiosa, começam a falar absurdos sobre as pessoas que desejam difamar. Assim, plantam a mentira e depois a disseminam até que se estabeleça uma dúvida concreta, a qual ganhará aparência de “verdade” pela repetição. Depois de oito anos desde o início dessa ação criminosa, em uma reportagem do Fantástico* sobre a campanha eleitoral de 2024, é que tomamos conhecimento de mais esse golpe contra a democracia.
O grupo de criminosos manipula ao chamar sua ação criminosa de teatro invisível. A Polícia Federal se equivoca ao utilizar a classificação dada pelos infratores como título oficial de sua ação investigativa. “As investigações revelaram que a organização criminosa, por meio de seus líderes — que já chegaram a ocupar funções públicas em diversas cidades do RJ —, desenvolveu um sofisticado e lucrativo esquema baseado na contratação de pessoas com o objetivo de influenciar no processo eleitoral de diversos municípios”, afirmou a PF.
Sem nenhuma relação com golpe ou mentira, o Teatro Invisível, na verdade, é uma das técnicas do Teatro do Oprimido, método sistematizado pelo dramaturgo Augusto Boal (1931–2009). O método criado no Brasil na década de 1970 atualmente é praticado nos mais diversos idiomas e em diferentes contextos sociais, econômicos e culturais, do Canadá à Patagônia Argentina, da África do Sul à Dinamarca, da Grécia à Austrália, em mais de uma centena de países nos cinco continentes.
O objetivo do Teatro Invisível é colocar um tema em discussão pública, a partir de uma pergunta em aberto, jamais chegar com uma verdade ou uma resposta. Ao contrário, a proposta é criar um ambiente no qual diferentes perspectivas possam ser acionadas e colocadas em debate horizontal, sem que uma verdade absoluta se estabeleça. A meta é dar visibilidade a temas que precisam ser discutidos pela sociedade. O Teatro Invisível, assim como as demais técnicas do Teatro do Oprimido, se concentra em criar ambientes de diálogos, em estimular a troca de ideias e em estabelecer momentos de reflexão coletiva. O Teatro do Oprimido se opõe ao lado predador da sociedade para aliar e fortalecer o lado solidário da humanidade.
Augusto Boal, indicado ao prêmio Nobel da Paz em 2008, costumava dizer que nós, seres humanos, temos o melhor e o pior dentro de nós e que precisamos ser educados, estimulados e encorajados a desenvolver o nosso melhor. Por isso, era um artista que colocava sua arte a serviço da cidadania. Não vamos permitir que criminosos distorçam o sentido dessa arte. Mentir para influenciar o resultado eleitoral não é fazer teatro. Isso é crime.
Instituições apoiadoras:
- CTO – Centro de Teatro do Oprimido
- GESTO – Grupo de Estudos em Teatro do Oprimido
- KURINGA BERLIM
- PAS A PASSO
- GESTO da FLORESTA
- UEA – Universidade do Estado do Amazonas
- UNB – Universidade de Brasília
- UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Centro de Letras e Artes / Escola de Teatro
- UFBA – Universidade Federal da Bahia
- UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
- UNEB – Universidade do Estado da Bahia / Campus VII
- UFAC – Universidade Federal do Acre
- Unifesspa – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
O Centro de Teatro do Oprimido convida artistas, pesquisadores, grupos, coletivos e instituições de Teatro do Oprimido, Teatro Popular, Teatro Negro, Teatro Favelado e Teatro Político a assinarem a nota de repúdio e se juntarem a esse movimento. O formulário para assinaturas está disponível no link da bio do Instagram do CTO: https://forms.gle/PVPqnZy6TewPBFReA
Além da mobilização para assinatura da nota, o CTO oferecerá cursos em novembro, mês da Consciência Negra, que trazem uma imersão nas principais técnicas do Teatro do Oprimido. Esses cursos são uma oportunidade única de aprender e praticar o Teatro Invisível e o Teatro Jornal com curadores renomados.